Richard R. Springer

Cristián Pérez-Navarro

Arquiteto internacional, pioneiro no uso da madeira massiva no Chile, é atualmente o diretor executivo da Global-Nomad.org

Como foi seu início de carreira e como foi despertar para uma arquitetura guiada pela sustentabilidade?

Cristián Pérez-Navarro

Essa pergunta me faz voltar aos dias de estudante, na Universidade do Chile. Em meados dos anos 90, pouquíssimas pessoas conversavam sobre sustentabilidade na América Latina e as escolas de Arquitetura e Urbanismo apresentavam muitas restrições ao assunto e a sua incorporação ao currículo acadêmico. 

No entanto, problemas ambientais e, sobretudo, o conflito entre desenvolvimento e a proteção ambiental já eram visíveis, na prática, em todo o mundo. 

Para mim, o local em que a situação era mais latente era em uma ilha chilena distante, a Ilha Robinson Crusoe: com recursos limitados, biodiversidade única (reserva da biosfera da UNESCO), mas em um estado precário de conservação, além de uma crescente comunidade de pessoas adaptando o meio ambiente. Assim, a Ilha Robinson Crusoe foi para mim uma versão minúscula da dinâmica humana global, onde a Ilha era um planeta em si mesma. 

Então, em síntese, esse despertar começou durante a última fase da Universidade, que foi uma preparação muito boa para continuar em um contexto profissional verdadeiramente privilegiado.

Em 2021 você irá comemorar 20 anos de carreira. Qual é a retrospectiva que você faz e seus três projetos que mais te emocionam (e por quê)?

Cristián Pérez-Navarro

Em retrospectiva, acho que os projetos mais importantes foram aqueles concebidos para resolver problemas complexos e com grande impacto social. 

Um deles, devido à sua complexidade e escopo, é o plano diretor do Hospital Infantil de Seattle - um projeto de US $ 1,5 bilhão que integra inovação baseada em evidências, a filosofia Lean (criada pela Toyota) ao design e à gestão do espaço, aliada à sustentabilidade e ao alto desempenho, tanto na construção quanto na eficiência dos procedimentos médicos, que se influenciavam mutuamente, por meio do que chamamos de “trystorming”. 

O trystorming é uma combinação de brainstorming e prototipagem rápida para determinar se as ideias de design propostas pelo grupo, cruzadas com os procedimentos médicos em ação, trabalharão juntas, transformando a intuição em evidência através desse processo de validação empírica. 

Outro projeto muito significativo para minha carreira foi o Edifício de Ciências Integradas ConocoPhilips (12.000 m2) que projetamos para a Universidade do Alasca, em Anchorage, que constitui um grande apoio ao trabalho de integração entre as diferentes disciplinas científicas (Astronomia, Biologia, Bioquímica, Química, Ciências Ambientais, Geologia e Física), além de inovar em soluções não convencionais para o enfrentamento das mudanças climáticas, principalmente no Ártico. 

Finalmente, no ano passado, realizamos a primeira etapa de desenvolvimento de um projeto residencial em madeira com engenharia no sul do Chile, localizado próximo a uma área de alto valor natural, com áreas úmidas relevantes para a segurança humana e a biodiversidade local. 

 

Atualmente você é o Diretor Executivo da Global-Nomad.org. Qual é o maior desafio da plataforma?

Cristián Pérez-Navarro

Penso que o nosso maior desafio tem várias arestas, mas, se eu tivesse que priorizar, destacaria duas: 

(1) manter a sustentabilidade como ponto central, apesar de boa parte do mundo remar em um sentido contrário; 

(2) influenciar o desenvolvimento sem modificar sua estrutura radicalmente, mas construindo pontes capazes de manter um resultado igualmente interessante do ponto de vista financeiro (para investidores), mas com o claro objetivo de acelerar os benefícios sociais e ambientais, além do bem-estar.

 

Você implementou projetos em diversos países, tais como Chile, França, Estados Unidos, dentre outros. Você sentiu diferença em relação à cultura da sustentabilidade nos diferentes países?

Cristián Pérez-Navarro

Certamente. Não há dúvida de que existe uma relação direta entre idiossincrasia, cultura, recursos e prazo disponível para o desenvolvimento do projeto, e que se materializam de diferentes formas em cada um destes países.

Uma característica comum em todos os seus projetos é a integração arquitetônica ao ambiente e às pessoas. Como conciliar projetos viáveis financeiramente, com alta performance e baixo impacto?

Cristián Pérez-Navarro

Investigando o objetivo da Earthonomics, que é uma maneira de antecipar o cálculo financeiro de todo o ciclo de vida da operação do projeto (+30 anos), incluindo sua fase de design e implementação. Isso se chama Análise do Custo do Ciclo de Vida e permite comparar soluções comerciais e contrastá-las com alternativas de design sustentáveis, incluindo todos os sistemas do edifício e outros espaços complementares que compõem o projeto. Isso nos permite isolar os argumentos financeiros, além de reduzir os riscos e incertezas ao escolher soluções construtivas de alto desempenho com atributos de sustentabilidade para os tomadores de decisão e investidores. 

Um outro ponto em comum dos seus projetos é o uso da madeira. Como começou essa paixão pelo uso da madeira em edifícios, casas e outras construções?

Cristián Pérez-Navarro

A madeira está presente no meu trabalho desde a Universidade. Nos anos 90, tive a sorte de colaborar com um grande professor de construção em madeira, de origem alemã (Heinz Lesser), em meu projeto acadêmico final que me apresentou pela primeira vez o Atlas Holzbau (Atlas of Wood) e com quem aprendi técnicas manuais e de engenharia industrial que permitiram que a madeira fosse levada a outros níveis de projeto e capacidade estrutural. 

Através da composição de seus elementos, foi possível substituir materiais com custos mais altos de energia e em relação ao meio ambiente, como aço e concreto armado, através do uso da tecnologia aplicada à madeira. Sempre fiquei impressionado com a versatilidade da madeira como material, além da sua origem viva e renovável. 

Como conciliar o uso da madeira nas construções, tanto no sentido estrutural quanto estético?

Cristián Pérez-Navarro

Cada material tem voz, vocação e potencial de integração com outros materiais de construção. A madeira trabalha estruturalmente com outros materiais, menos sustentáveis ​​em si, mas ainda mais tecnicamente e economicamente eficientes em alguns casos. 

É por isso que os projetos de madeira híbrida são integrados ao concreto e ao aço como materiais de suporte estrutural, utilizados de maneira oportuna e estratégica.

Esteticamente, a madeira não tem comparação. Não apenas pela aparência, mas também pelo efeito que produz sensorialmente e cognitivamente nas pessoas, começando pela biofilia, que é a conexão emocional que os seres humanos têm com outros organismos vivos e com a natureza.

 

Muitos dos nossos leitores são estudantes, tanto de Arquitetura quanto de Engenharia. Qual o conselho que você daria para eles em relação aos projetos sustentáveis? Qual seria o ponto de partida para o desenvolvimento de um projeto sustentável?

Cristián Pérez-Navarro

A sustentabilidade na arquitetura e no design urbano é uma decisão e uma declaração que interpreta idealmente o autor e, principalmente, o cliente. Em outras palavras, para projetar uma arquitetura sustentável, é necessário acreditar no objetivo de resolver o enorme desafio de equilibrar a balança. Ou seja, acreditar no objetivo de viver com um impacto reduzido no meio ambiente. 

Quanto mais cedo os alunos começarem a incorporar esses conceitos nos projetos, além de boas práticas de sustentabilidade em seu design, estarão mais bem preparados para enfrentar um mercado que está mudando. Não temos outro caminho. 

Aprender sobre sistemas de financiamento ecológico e como aplicá-los em projetos de sustentabilidade também é cada vez mais importante para preparar futuros arquitetos para o pensamento híbrido, pois permitirá que eles viabilizem seus projetos desde o início, falando o mesmo idioma de seus clientes. 

Eles serão responsáveis ​​por projetar e construir as cidades de baixo carbono que precisamos desenvolver para controlar o termostato global. 

 

Na sua opinião, quais são os maiores desafios do Brasil quando o assunto é sustentabilidade?

Cristián Pérez-Navarro

Ainda não sabemos bem qual o real impacto que o atual cenário sanitário e de saúde trarão para o futuro brasileiro. 

Quanto à sustentabilidade no sentido amplo da palavra, podemos supor que são e serão muitos os desafios, mas acho que todos eles podem ser resolvidos de alguma forma. 

Dentre eles, acho que existem dois desafios muito importantes: o primeiro, a redução do uso de energia primária para produzir bens e serviços em relação ao PIB (que é bastante alto no Brasil em comparação com a média mundial e com outros países como Índia, Estados Unidos e a União Europeia, de acordo com a Agência Internacional de Energia) e, a segunda, ser capaz de fornecer soluções de baixo carbono, custo-benefício, bem-estar e soluções para o crescimento demográfico que está chegando: quase 12 milhões a mais de pessoas na próxima década , de acordo com projeções das Nações Unidas (2019).

 

Por fim, quais são as principais tendências para a arquitetura em 2020/21?

Cristián Pérez-Navarro

Neste momento especial que estamos passando, as tendências da arquitetura parecem estar mudando rapidamente. Vemos como o aumento da importância do espaço que habitamos tornou visível uma série de deficiências de design, com base em novas necessidades, especialmente com os longos períodos de quarentena e o advento potencial de novos estados intermitentes, mas contínuos, de confinamento. 

A arquitetura sustentável tem um objetivo muito claro em termos de impacto ambiental. No entanto, até antes da pandemia, o mercado não estava realmente atento a fatores como saúde mental e bem-estar na priorização de padrões de design residencial e de escritório, que é onde passamos a maior parte do nosso tempo. 

Essa necessidade tornou o design visível e deve impactar através de ferramentas como a certificação WELL v2.0, que estabelece uma estrutura flexível para melhorar a saúde e a experiência humana através do design, com princípios como equidade, design por evidência, resiliência, dentre outros. 

Dentro do padrão LBC 4.0 (Living Building Challenge), que se concentra no impacto e no esforço, também vemos uma forte ênfase na conquista de edifícios regenerativos que conectam seus ocupantes com luz natural, ar limpo, comida local, natureza e comunidade.

Porém, o maior desafio não será projetar com esses parâmetros, mas democratizar e massificar o acesso a esse nível de experiência. Ao mesmo tempo, com a mudança de paradigma do escritório para o teletrabalho, espera-se que a nova tendência no projeto arquitetônico residencial, como ocorreu com a diluição do espaço formal da cozinha e sala de jantar há alguns anos, incorpore definitivamente espaços para trabalho mais formal em seu layout interior.

 Finalmente, e como já mencionado anteriormente, a mudança de paradigma inclui, sem dúvida, a crescente incorporação de soluções renováveis, como madeira maciça, capaz de oferecer saúde e bem-estar, além de economicidade para os usuários, o que poderia ser um dos principais incentivos para massificar uma arquitetura bem projetada e consciente em um futuro próximo.