Como o uso de reservatórios de águas pluviais residenciais pode auxiliar na drenagem urbana

Data de publicação : 23/05/2018

A urbanização desordenada nas cidades brasileiras tem sido inadequada, principalmente com relação aos sistemas de drenagem, que não impedem as enchentes. Diante desse cenário, algumas cidades e Estados têm criado leis que incentivam ou determinam a reservação das águas pluviais para minimizar os impactos das chuvas mais intensas.

Por Fabio Gomes Coelho, mestrando em Recursos Hídricos e Saneamento; Raphael M. Page, acadêmico em engenharia ambiental; e Mônica de A. G. Massera da Hora, profa. da UFF – Universidade Federal Fluminense

Data: 27/11/2016

Edição: Hydro Novembro 2016 Ano XI No 121

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Consideram-se águas pluviais como as que procedem imediatamente das chuvas e que pertençam ao proprietário do edifício onde caírem diretamente, o qual pode dispor delas à vontade, salvo existindo direito em sentido contrário (Decreto no 24.643/1934). Texto semelhante é apresentado no artigo 1290 do Código Civil, Lei no 10.406/2002: “O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir, ou desviar o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores”.

Esse código determina que não seja permitido ao proprietário do edifício desperdiçar essas águas em prejuízo de outros edifícios que delas se possam aproveitar, sob pena de indenização aos seus proprietários, nem desviar essas águas de seu curso natural para lhes dar outro, sem consentimento expresso dos proprietários dos edifícios que irão recebê-las.

A partir dessas legislações, as águas pluviais se mostram importantes na área do saneamento, mas em dois setores diferentes: no abastecimento público de água e na drenagem urbana. Na drenagem urbana, a água da chuva é fundamental no dimensionamento do sistema de drenagem; quanto maior o volume de chuva, mais complexo é o projeto de drenagem. Uma solução complementar ao sistema de drenagem é a utilização de reservatórios para a retenção da água da chuva durante o evento, para após um intervalo de tempo de seu término, a água retida ser escoada de forma controlada para não causar enchentes.

O presente artigo tem por objetivo apresentar as legislações municipais e estaduais sobre a reservação da água da chuva visando à redução de enchentes.

 

Legislação: captação e reservação de águas pluviais

O atual modelo de urbanização apresentado na maioria das cidades brasileiras tem se mostrado desordenado e inadequado, principalmente com relação aos sistemas de drenagem. Ao longo dos anos as superfícies dos solos vão se tornando impermeáveis, uma vez que há substituição de residências por edifícios e as ruas são asfaltadas, impedindo que as águas das chuvas infiltrem. Isso aumenta o fluxo e velocidade da água no sistema de drenagem e a deposição de sedimentos oriundos da lavagem do solo.

O sistema de drenagem que antes havia sido projetado para uma determinada condição de uso e ocupação do solo passa a ficar subdimensionado, causando problemas de diversas proporções, como alagamentos, transtornos no trânsito, inundações, transmissão de doenças, dentre outros. Em muitos casos, esse sistema de drenagem não é redimensionado devido ao alto custo de implementação.

Para mitigar os problemas, buscam-se soluções alternativas, como reservatórios de detenção, barragens, desvio de cursos d’água, entre outras. Além dessas intervenções físicas, algumas cidades estão apresentando políticas públicas que envolvam os cidadãos para complementar o controle das enchentes urbanas. As cidades do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Niterói e São Paulo, bem como o Estado de São Paulo, têm adotado ideias semelhantes nesse sentido, adaptando-se às suas próprias peculiaridades locais.

De maneira geral, essas cidades exigem o uso de reservatórios de águas pluviais em loteamentos que possuam algum percentual de área impermeável, o qual varia conforme o critério adotado para a retenção temporária das águas pluviais que precipitam sobre cada lote, podendo captar através dos telhados, coberturas, pisos e áreas impermeáveis. Dessa forma, esses lotes contribuem para o retardo do escoamento dessas águas para o sistema de drenagem público, uma vez que esses reservatórios só podem ser esvaziados no sistema de drenagem após determinado tempo de encerramento da chuva.

Segundo Canholi [1], a finalidade dessa solução é reduzir o pico das enchentes, por meio do amortecimento de parte do volume escoado. A disposição local do tanque de reservação das águas precipitadas é tipicamente voltada ao controle em lotes residenciais e vias de circulação. O objetivo é reduzir os picos das vazões veiculadas para a rede de drenagem.

Através da implantação desse dispositivo de drenagem, os lotes que possuem grande área impermeabilizada não poderão contribuir no mesmo instante em que ocorrem as chuvas, ao reduzir a velocidade do escoamento das águas pluviais, controlando a ocorrência de inundações e também amortecendo e diminuindo os problemas oriundos dos picos de vazão. Desse modo, é facilitado o funcionamento do sistema e não há necessidade de grandes obras para impedir as inundações e alagamentos.

 

Algumas legislações referentes ao dimensionamento do volume dos reservatórios.

Cidade de São Paulo

Através do Decreto n° 41.814/2002, do município de São Paulo, tornou-se obrigatória a execução de reservatórios para águas coletadas por coberturas e pavimentos nos lotes, edificados ou não, que tenham área impermeabilizada superior a 500 m2. Nas reformas é exigida pelo Decreto a construção de um reservatório de retardo, quando houver acréscimo de área impermeabilizada igual ou superior a 100 m2 e a somatória da área impermeabilizada existente e a construir resultar em área superior a 500 m2, calculando o reservatório em relação à área impermeabilizada. É exigido quando há reformas sucessivas de edificações cujos acréscimos, a cada pedido de reforma junto à prefeitura de São Paulo, não atingem 100 m2 e a somatória das áreas acrescidas é igual ou superior a 100 m2. Assim, o dimensionamento do reservatório considera toda a área impermeabilizada acrescida.

A Lei n° 13.276/2002, da cidade de São Paulo, determina que a capacidade do reservatório para retardo das águas de chuvas deverá ser dimensionada através da seguinte equação:

V = 0,15 . Ai . IP . t (1)

Onde:

  • V = volume do reservatório, em m3.
  • Ai = área impermeabilizada, em m2.
  • IP = índice pluviométrico, adotado como 0,06 mm/h.
  • t = o tempo de duração da chuva, adotado em uma hora.

Quando aplicado, o reservatório ligado ao sistema de drenagem, estipulado pela Lei n° 11.228, o Decreto n° 41.814 determina que o volume resultante da equação (1) deva ser acrescido ao volume calculado por:

V = (0,15.S – Sp). IP . t (2)

Onde:

  • V = volume de disposto adotado, em m3.
  • S = área do terreno, em m2.
  • Sp = área do terreno livre de pavimentação ou construção, em m2.
  • IP = índice pluviométrico, adotado como 0,06 mm/h.
  • t = tempo de duração da chuva, adotado em uma hora.

 

Cidade do Rio de Janeiro

Através do Decreto n° 23.940/2004, do município do Rio de Janeiro, tornou-se obrigatória a construção de reservatório destinado ao acúmulo das águas pluviais e posterior descarga para a rede de drenagem e de outro reservatório de acumulação das águas pluviais para fins não potáveis, quando couber, para empreendimentos que possuam área impermeabilizada superior a 500 m2. O dimensionamento da capacidade dos reservatórios para retardo das águas pluviais é expresso por:

V = k . Ai . h (3)

Onde:

  • V = volume do reservatório em m3.
  • K = coeficiente de abatimento, sendo igual a 0,15.
  • Ai = área impermeabilizada, em m2.
  • h = altura de chuva, em m.

A altura de chuva corresponde a 0,06 metro nas áreas de planejamento 1, 2 e 4 da cidade do Rio de Janeiro e a 0,07 metro nas áreas de planejamento 3 e 5.

A Resolução conjunta SMG/SMO/ SMU no 001/2005, da cidade do Rio de Janeiro, complementa o dimensionamento do reservatório com o dimensionamento do orifício de descarga do reservatório destinado ao retardo das águas pluviais deverá obedecer à equação (4):

S = Q/[Cd.(2gh)^(1/2)] (4)

Onde:

  • S = área do orifício, em m2.
  • Q = vazão de águas pluviais gerada no lote anteriormente à impermeabilização, conforme as normas da Secretaria Municipal de Obras.
  • Cd = coeficiente de descarga, adotado o valor de 0,61 para orifícios circulares e 0,601 para orifícios retangulares.
  • h = carga sobre o centro do orifício, em metro.
  • g = aceleração da gravidade em m2/s.

 

Estado de São Paulo

A Lei no 12.526/2007, do Estado de São Paulo, tornou obrigatória a implantação de sistema para captação e retenção de águas pluviais, coletadas por telhados, coberturas, terraços e pavimentos cobertos, em lotes, edificados ou não, que tenham área impermeabilizada superior a 500 m2. A lei determina que o reservatório de retardo deva ser dimensionado com base na equação (1) e os condicionantes da cidade de São Paulo.

 

Cidade de Niterói, RJ

A Lei n° 2.630/2009, do município de Niterói, determina que as novas edificações, públicas ou privadas, que tenham área impermeabilizada superior a 500 m2 deverão ser dotadas de reservatório de águas pluviais. A Lei determina que o reservatório de águas pluviais possa ser de acumulação ou de retardo. Ela especifica que os reservatórios de retardo, destinados ao acúmulo de águas pluviais e posterior descarga na rede de águas pluviais, deverão ter o seu volume calculado pela equação (3), onde K é coeficiente de abatimento, adotado valor de 0,15 e H a altura pluviométrica, adotado valor de 0,07 metro.

 

Cidade de Nova Iguaçu, RJ

A Lei no 4.092/2001, do município de Nova Iguaçu, determina que os empreendimentos novos e localizados em terrenos com área superior a 500 m2 deverão implantar tanques de retenção destinados a retardar em duas horas a chegada das águas pluviais no sistema de drenagem, córregos e rios.

 

Resultados

Ainda não há uma legislação em nível federal ou norma técnica brasileira que indique como deve ser dimensionado o reservatório para retardo do escoamento das águas pluviais precipitadas sobre os loteamentos. Cada município que possui legislação que estabelece a execução desse tipo de dispositivo indica uma metodologia própria para o dimensionamento, uma vez que os eventos pluviométricos, uso e ocupação do solo, sistema de drenagem, entre outros fatores que interferem no escoamento das águas pluviais, variam de acordo com cada localidade.

É importante ressaltar que algumas dessas legislações municipais, que exigem a implantação do reservatório de retenção, não indicam o momento de seu esvaziamento, à exceção da cidade de Nova Iguaçu, que indica duas horas após o término do evento pluviométrico. A cidade do Rio de Janeiro é a única a exigir o dimensionamento do orifício de descarga do reservatório, sendo isso fundamental para determinar a vazão contribuinte na rede de águas pluviais da cidade.

É interessante observar que as equações levam em consideração a altura de chuva, fator básico no dimensionamento e no sistema, coeficiente de abatimento, que é o coeficiente redutor da precipitação máxima pontual usada na extrapolação desse valor pontual para toda uma área em seu entorno, e a área impermeabilizada, elemento que impede a infiltração da chuva no terreno. A equação (2) mostra-se clara e adequada ao objetivo do dimensionamento, calcular o volume do reservatório para reter a água da chuva que, antes da impermeabilização, infiltrava no solo, uma vez que leva em consideração toda a área impermeável, e não só a passível de captação.

 

Conclusões

As legislações municipais, de maneira geral, responsabilizam o dono do loteamento pela impermeabilização do solo, o que é importante, uma vez que esse tipo de ação impacta o sistema de drenagem, auxiliando o poder público no controle das enchentes e incentivando um possível aproveitamento dessas águas para fins não potáveis.

É importante que seja concebida uma norma ou legislação em âmbito nacional para a execução dos reservatórios de retenção, de forma a orientar os municípios com a melhor metodologia, diferenciando de acordo com as características pluviométricas das cidades. Com essa orientação cria-se a expectativa da determinação da vazão de escoamento desses reservatórios.

 

Referência:

  1. Canholi, Aluísio Pardo (2009). Drenagem urbana e controle de enchentes. 301 p. Editora Oficina de textos. São Paulo.