Casa do futuro com jeitinho brasileiro

Data de publicação : 06/11/2017

 

Curiosos garimpam comércio popular e sites chineses para automatizar residências

Ter uma casa que acende as luzes da entrada, ajusta o ar condicionado na temperatura certa e coloca música para tocar antes de a porta ser aberta ainda é algo para poucos. Mas já existem brasileiros que estão usando seus conhecimentos em tecnologia para, sem gastar muito, trazer essas soluções para seu dia a dia. Eles garimpam sensores e outros componentes em lojas na rua Santa Ifigênia ou sites chineses e criam seus próprios protótipos de casa inteligente.

Para a maioria deles, automatizar a casa vai além da comodidade. Antenados em tecnologia, eles não querem esperar as ferramentas lançadas no exterior chegarem ao Brasil. Além disso, imaginam o potencial de democratizar essa novidade. “Há muita utilidade nisso para pessoas com dificuldades em se movimentar”, diz o designer Marcelo Lopes, que criou um canal no YouTube sobre o tema. “Quero ensinar as pessoas a automatizar com custo baixo.”

Lopes, de 38 anos, começou a automatizar sua casa em São Lourenço, no sul de Minas Gerais, há cerca de um ano. De lá para cá, ele colocou sensores nas l uzes, transformou o smartphone em controle remoto universal, colocou senhas na fechadura da porta de casa e ainda desenvolveu um sistema para controlar tudo isso por meio da voz. “Comprei 90% dos materiais em sites chineses, então não gastei nem R$ 200”, conta.

O “cérebro” por trás do projeto é um tipo de placa batizada de Arduino, que serve para o desenvolvimento de protótipos eletrônicos e pode ser facilmente encontrada por menos de R$ 100. Automatizar a casa dessa forma, porém, depende de algum conhecimento de programação. “A pessoa pode configurar um sistema com base em softwares de código aberto. Dá até para usar uma assistente pessoal personalizada”, diz Alan Godoy, pesquisador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD).

Mas há alternativas para quem não entende de programação. Basta fazer pequenas adaptações em casa com produtos inteligentes à venda no mercado, como fez o engenheiro Luís Leão, de 35 anos ( ver mais ao lado). Com lâmpadas inteligentes, fechadura eletrônica importada e um sistema de vigilância conectado, ele automatizou seu apartamento em São Paulo. Leão usou a caixa de som inteligente Google Home – ainda não disponível no Brasil – para controlar tudo conversando com o assistente pessoal do Google.

Quem importa um aparelho como esse, porém, enfrenta dificuldades, já que a interação com os assistentes em caixas de som só acontece em inglês – o Google Assistant funciona em português, mas apenas no celular. Eduardo Peixoto, diretor de negócios do instituto de pesquisas Cesar, em Recife, comprou o alto-falante Echo, da Amazon, mas aproveita pouco o produto. “Ele não funciona bem fora dos Estados Unidos, pois depende de muitos aparelhos que só são vendidos lá.”

Além disso, a conexão entre os dispositivos de fabricantes diferentes, a chamada interoperabilidade, ainda é deficiente. Isso faz os moradores de casas conectadas precisarem de múltiplos aplicativos para fazer a casa funcionar de forma adequada, o que não é prático.
Integração. Encontrar dispositivos inteligentes à venda no Brasil é uma tarefa difícil. A reportagem do Estado visitou a Santa Ifigênia, tradicional rua de venda de eletrônicos em São Paulo, e achou apenas câmeras de segurança conectadas.

Esse é um dos motivos que fazem a maior parte dos brasileiros que quer automatizar a própria casa procurar os chamados integradores, profissionais especializados em automação residencial. O investimento, porém, é alto: os projetos custam a partir de R$ 30 mil. Isso explica o fato de o Brasil ter apenas 300 mil casas inteligentes – o mercado ficou estagnado nos últimos dois anos, por causa da crise.

Para José Roberto Muratori, presidente da Associação Brasileira de Automação Residencial (Aureside), o brasileiro não tem a cultura de fazer reparos em casa, quanto mais projetos complexos. “Fazer automação envolve mexer na instalação elétrica, na iluminação”, diz. “O brasileiro paga até para trocar a resistência do chuveiro.”

Fonte: O Estado de S. Paulo. – 29 de outubro de 2017 – Carolina Ingizza