REÚSO: ESTADO DA ARTE E REÚSO DE ÁGUAS CINZAS CLARAS

Data de publicação : 01/08/2017

Atualmente, o abastecimento de água no Brasil é realizado essencialmente a partir da captação de água bruta de mananciais superficiais ou subterrâneos (ANA, 2012), seguindo para o tratamento em ETAs – Estações de Tratamento de Água convencionais e distribuição.

O crescente adensamento populacional urbano no Brasil nas últimas décadas (IBGE, 2017), do qual resultam maiores vazões demandadas em áreas reduzidas, aliado à cada vez mais intensa degradação de mananciais e águas subterrâneas em decorrência de lançamentos de efluentes in natura e/ou inadequadamente tratados, resulta em cenário de escassez hídrica quali-quantitativa intensa (ANA, 2017b) e em inevitáveis custos com a busca por fontes distantes de água de melhor qualidade.

A busca por novas fontes de água, ainda que atenue os problemas de escassez hídrica local, tem como consequência custos elevados com recalque, possíveis conflitos por uso de água entre bacias hidrográficas, aumento do índice de perdas por conta das maiores extensões das linhas de adução e, caso não haja investimentos compatíveis em coleta e tratamento de efluentes, comprometimento dos recursos hídricos locais (MIERZWA & HESPANHOL, 2005).

A diversificação da matriz de oferta de água é, dentro desse contexto, uma das alternativas viáveis para a garantia de abastecimento seguro para os diversos setores consumidores. O reúso de água oriundo do tratamento de esgotos domésticos é um importante componente de tal processo e vem sendo gradualmente aplicado com sucesso em diversos países, principalmente em regiões onde a escassez hídrica é mais severa. Entre as diversas definições de reúso, pode-se qualificá-lo como o uso de efluentes tratados para fins benéficos, tais como irrigação, uso industrial e fins urbanos não potáveis (MIERZWA, 2002)

Diferentemente de outras fontes alternativas de água, como aproveitamento de água de chuva, o uso de efluentes tratados apresenta constância ao longo do tempo, o que lhe caracteriza como fonte de alta confiabilidade. Onde quer que haja consumo de água para fins de abastecimento humano haverá geração praticamente imediata de efluentes em proporções volumétricas equivalentes, sendo essa conjunção simultaneidade/proporcionalidade no espaço-tempo importante atributo que o torna atraente do ponto de vista de confiabilidade de abastecimento.

As maiores demandas por água concentradas em regiões urbanas cada vez mais adensadas conjuntamente com a também crescente necessidade de expansão dos serviços de coleta e tratamento de esgotos culminam na oportunidade de avaliação da viabilidade de utilização dos efluentes gerados para o abastecimento de demandas diversas, respeitando-se os critérios de qualidade que tragam segurança sanitário dos usuários e garantia de performance dos processos a serem abastecidos.

Dentro desse contexto, o reúso de águas cinzas em edificações, com foco em torres residenciais, surge como importante colaboração à redução da pressão sobre mananciais já explorados e redução dos volumes de esgoto a serem lançados nos corpos receptores.

Os esgotos domésticos podem ser divididos em três grupos relativamente aos pontos de geração e, consequentemente, sua qualidade, a saber:

  • águas negras: bacias sanitárias, mictórios;
  • águas cinzas escuras: pias de cozinha, torneiras de tanque, máquinas de lavar roupa e ralos;
  • águas cinzas claras: chuveiros e lavatórios.

Cada um desses efluentes terá qualidades distintas entre si, o que requererá, para o caso de reúso, arranjos de tratamento diferentes para obtenção de qualidades aceitáveis aos usos propostos. A título de exemplo, águas negras são altamente concentradas em sólidos suspensos totais, macronutrientes (compostos de nitrogênio e fósforo), coliformes totais e termotolerantes e matéria orgânica biodegradável (expressa na forma de DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio), e, a depender do uso desejado, o tratamento poderá ser bastante complexo para adequação do efluente.

No caso de reúso de águas cinzas claras para atendimento a demandas não potáveis em edificações residenciais, as dificuldades são substancialmente menores. Esse efluente, por ser composto somente por águas de chuveiros e lavatórios, é mais diluído que os demais e apresenta menores cargas de contaminantes. Ainda assim, é esperada concentração considerável de matéria orgânica, nutrientes, coliformes e sólidos em suspensão, o que significa que processos de tratamento muito simplificados podem não assegurar a qualidade final e representam maiores riscos sanitários aos usuários.

Em edifícios residenciais, a realização do balanço hídrico (estudo de ofertas versus demandas de água) demonstra que a geração de águas cinzas claras é muito superior às demandas não potáveis, dado que estas se restringem a bacias sanitárias, irrigação e lavagem de pisos de áreas comuns. Abaixo, segue estimativa de balanço hídrico para o empreendimento Residencial Eldorado da Trisul, a qual corrobora o afirmado acima.

Tabela 1: Estimativa de balanço hídrico realizado para o Residencial Eldorado da Trisul

 

Estimativa de balanço entre geração, tratamento e utilização de águas cinzas para o Residencial Eldorado da Trisul

A relação entre oferta e demanda demonstra que não é necessária a captação de todo volume de águas cinzas claras geradas em um empreendimento residencial. Isso é de fundamental importância porque a separação dos efluentes gerados em cada unidade requer a implantação de rede dupla, o que representa maiores custos de instalação e manutenção.

Sugestão de coleta de águas cinzas para pavimento-tipo no Empreendimento Vahia de Abreu da Trisul

Referentemente ao tratamento, há diversas opções oferecidas no mercado: desde simples filtração granular de areia a processos biológicos associados a separação por membranas de ultrafiltração e desinfecção por radiação ultravioleta. A sofisticação do tratamento depende da qualidade do efluente bruto, da qualidade final requerida, disponibilidade de área técnica, limitações de orçamento e disponibilidade de corpo técnico para operação e manutenção de planta.

A InfinityTech Engenharia e Meio Ambiente opta, em seus projetos, a utilização de processos biológicos aeróbios para o tratamento de águas cinzas, dada a existência, conforme já comentado, de matéria orgânica na água. Processos físico-químicos, os quais também vêm sendo utilizados no tratamento de águas cinzas, apresentam as desvantagens de dependência de dosagem contínua de químicos (coagulantes e floculantes), o que acarreta em maiores custos operacionais, maiores volumes de lodo gerado (uma vez que os químicos adicionados compõem o lodo excedente) e necessidades constantes de ajustes operacionais para dosagem correta dos produtos.
Complementarmente ao tratamento biológico, utiliza-se filtração granular e adsorção por carvão ativado seguida de desinfecção por solução de hipoclorito de sódio, a qual tem como agente ativo o cloro.

Fluxograma esquemático de geração, concepção de tratamento e utilização de águas cinzas no empreendimento Vahia de Abreu da Trisul

Portanto, em linhas gerais o reúso de águas cinzas em empreendimentos residenciais é possível do ponto de vista técnico e traz benefícios tanto na escala do próprio edifício, como aumento na segurança hídrica de abastecimento e redução dos custos com água, como também na escala urbana e da bacia hidrográfica, dado que reduz as pressões sobre mananciais e o potencial de poluição dos recursos hídricos.

Hoje, estão em andamento discussões sobre regulamentação de normatização do reúso no Brasil, as quais apontam tanto para a definição de padrões de qualidade para reúso, possíveis incentivos a iniciativas e, em alguns casos, até mesmo a obrigatoriedade de implantação de reúso em determinados empreendimentos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANA – Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: 2013. Brasília, 2013.
____. Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil: Informe 2016. Brasília, 2016.
____. Metadados de balanço hídrico quali-quantitativo. Disponível em: http://www.snirh.gov.br/snirh/snirh-1/acesso-tematico/balanco-hidrico. Acesso em 19 de setembro de 2017.
IBGE – Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística. Densidade demográfica. Período: 1872 a 2010. Disponível em: https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=POP117. Acesso em 20 de setembro de 2017.
MIERZWA, J.C. O uso racional e o reúso como ferramentas para o gerenciamento de águas e efluentes na indústria – estudo de caso da Kodak Brasileira. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária. São Paulo, 2002.
MIERZWA, J.C., HESPANHOL, I. Água na Indústria – Uso Racional e Reúso. São Paulo, 2005.

 

Colaboração:

Bruno Nogueira Fukasawa[1][1]

Engenheiro ambiental formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) e mestrando na área de reúso de águas do departamento de engenharia hidráulica e ambiental da EPUSP (PHA-EPUSP). Consultor da InfinityTech Engenharia e Meio Ambiente.
Marina Roque Oliveira[2] [1]

Engenheira ambiental e urbana formada pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Consultora da InfinityTech Engenharia e Meio Ambiente.

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[1] Engenheiro ambiental formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) e mestrando na área de reúso de águas do departamento de engenharia hidráulica e ambiental da EPUSP (PHA-EPUSP). Consultor da InfinityTech Engenharia e Meio Ambiente.

[2] Engenheira ambiental e urbana formada pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Consultora da InfinityTech Engenharia e Meio Ambiente.